Desenvolvimento
da Linguagem
Autora:
Tania A . Lopes Cardoso
Gostaríamos
de esclarecer que não temos a intenção de definir
etapas rígidas para o início (aquisição)
e término do desenvolvimento de função tão
complexa como a linguagem.
Nosso objetivo é esclarecer e orientar, principalmente os pais,
sobre os padrões lingüísticos esperados para cada
faixa etária, oferecendo a eles (pais), não apenas a oportunidade
de estimular a linguagem de seus filhos, mas também permitir
que possam recorrer precocemente à avaliação de
profissional especializado ao notarem desvio nesse desenvolvimento.
Linguagem e fala.
Embora seja a mais complexa, e a que coloca-nos em condição
de superioridade em relação aos outros animais, a linguagem
verbal não é a única forma de comunicação.
Podemos transmitir (comunicar) a outro indivíduo, nossos pensamentos,
emoções, etc, através de gestos (linguagem gestual),
através do corpo (linguagem corporal) e provavelmente através
de muitos códigos que sejam comuns à locutor e interlocutor.
Nesse sentido, estamos considerando a linguagem como um processo
simbólico da comunicação e a fala um instrumento
de expressão da linguagem.
Como vimos, linguagem e fala não são sinônimas,
tanto que muito antes do bebê emitir suas primeiras palavras (fala),
já é capaz de utilizar-se de codificação
(linguagem) para interrelacionar-se com o meio e seus semelhantes (mãe,
pai, irmãos, etc). Ainda assim, acreditamos que o desenvolvimento
da linguagem e da fala não precisam ser considerados separadamente,
pois um tem muita relação com o outro.
Portanto, todas as vezes que nos referirmos a desenvolvimento de linguagem,
estaremos descrevendo características do desenvolvimento comunicativo
da criança, sem a divisão entre fala e linguagem.
Quando a criança começa a falar?
Felizmente, por volta dos 2 anos a maioria das crianças já
tem um número de vocábulos que lhes permite expressar-se
verbalmente com facilidade. Algumas nessa idade, e até um pouco
antes, já utilizam frases simples, com verbos, adjetivos e preposições,
relatam fatos e criam seus próprios vocábulos.
Contudo, além das diferenças individuais, que devem ser
respeitadas, precisamos estar atentos à fatores determinantes
na aquisição, e que quando alterados, podem interferir
no desenvolvimento normal da linguagem. Esses fatores podem ser subdivididos
em biológicos, psicológicos e sociais.
A) Fatores biológicos
A1) Integridade de S.N.C. (Sistema Nervoso Central).
Crianças com anoxia neonatal deveriam ter seu desenvolvimento
de linguagem observado mais atentamente;
A2) Desenvolvimento intelectual normal.
Atraso significativo no desenvolvimento neuropsicomotor junto com atraso
na aquisição de linguagem, podem ser indicativos de deficiência
mental;
A3) Integridade do sistema auditivo.
Ressaltamos aqui a importância da triagem auditiva ao nascimento
para a detecção precoce da deficiência auditiva;
A4) Integridade dos órgãos periféricos da
fala (lábios, língua, palato, bochechas).
Cabe lembrar que além das propriedades nutricionais do leite
materno, sugar no seio, propicia a criança a exercitação
da musculatura intra-oral, evitando ou minimizando problemas ortodônticos
e articulatórios.
Crianças com fissuras lábio-palatais podem apresentar
alterações de linguagem e articulatórios;
B) Fatores psicológicos
B1) Vínculo afetivo entre mãe-criança deficiente
(abandono, maus tratos, rejeição), pode contribuir para
atrasos no desenvolvimento da linguagem.
Em oposição a este padrão, as boas relações
afetivo-emocionais entre mãe/criança, propiciam evolução
da linguagem muito satisfatória;
C) Fatores sociais
C1) Ambientes tensos, de brigas freqüentes entre familiares,
super proteção (pais que não dão a criança
oportunidade de aprendizagem, fazem tudo por ela), são modelos
de linguagem pobres tanto em quantidade quanto em qualidade, e também
podem prejudicar não só a linguagem, mas o desenvolvimento
global da criança.
Conforme podemos observar, descartando-se a possibilidade de lesões
(fatores biológicos), os pais e o meio ambiente têm importância
fundamental no desenvolvimento global adequado, na aprendizagem e sobretudo
na aquisição de linguagem infantil.
Atentos a isso citaremos abaixo ações que certamente irão
ajudá-los a estimular a linguagem de seu filho:
1) aproveite os horários de mamadas para "namorar"
seu filho. Opte por um ambiente com pouca luz, tranqüilo e faça
do toque a linguagem do amor;
2) ao optar pelo uso de chupetas, ofereça apenas as ortodônticas,
pois já sabemos que os problemas ortodônticos propiciam
alterações articulatórias;
3) trate seu bebê com zelo, segurança, carinho e
com isso estará criando condições facilitadoras
para o surgimento da linguagem oral;
4) a mãe, ou pessoa de maior contato, deve aproveitar
a rotina de atividades diária (banho, troca de roupas, amamentação)
para estabelecer diálogos com o bebê, já que por
volta dos 2 meses ele (bebê) já produz algumas vogais,
mas ainda sem características lingüísticas bem definidas;
5) fale com a criança sobre situações que
estejam ocorrendo no momento. No primeiro período de vida (sensório-motor
ou pré-verbal), que estende-se até os 2 anos aproximadamente,
a criança precisa de experiências concretas, exploração
de objetos, "preensão do mundo". É o período
das ações motoras. Opte por brincadeiras que envolvam
a procura de objetos. Ex.: esconda objetos para que a criança
possa achá-los (rolando, engatinhando, andando, correndo);
6) ao iniciar as primeiras palavras, valorize suas tentativas
com reforços positivos;
7) a partir dos 2 anos, pode-se estimular os aspectos cognitivos
da linguagem. As funções básicas de linguagem como
: esquema corporal, noções de cor, forma, tamanho, quantidade,
espessura, percepção espacial (em cima, em baixo, dentro,
fora, frente, atrás), percepção temporal (dia,
noite, hoje, ontem, amanhã), noção de direita e
esquerda. Brinquedos pedagógicos como jogos de montar e blocos
educativos são ótimos para o estímulo das funções
básicas de linguagem;
8) não corrija as primeiras palavras (as omissões
e substituições de fonemas fazem parte do início
do desenvolvimento de linguagem);
9) iniba o uso freqüente de gestos. Encoraje a criança
a expressar-se verbalmente;
10) as palavras erradas devem ser aceitas, mas "devolvidas"
de forma adequada. Não imite o erro e nem utilize-se de fala
infantilizada (exemplo de modelo lingüístico pobre em qualidade);
11) não faça comparações entre a
fala de seu filho com a de seus irmãos ou coleguinhas.
Lembre, cada criança tem o seu ritmo;
1) fale com a criança de coisas que são interessantes
para ela. Em qualquer tipo de aprendizagem é importante a motivação.
2) desde muito cedo utilize-se de livros para contar estórias,
faça encenações, dramatizações com
uso de fantoches (jogos onomatopeicos), ex.: fantoche de cachorro, o
cachorro faz Au! Au!, a galinha faz Có Có, etc.
Temos certeza que no dia a dia os pais encontrarão inúmeras
outras atividades para estimular a linguagem de seus filhos.
É muito importante que estejam ensinando sempre coisas novas,
e na medida do possível deixem a criança fazer as atividades
sozinha (o auxílio é suficiente).
Assim, como uma plantinha, a criança precisa ser observada e
"regada" com amor e carinho, jamais abafada!
O QUE É ESPERADO PARA CADA ETAPA DO DESENVOLVIMENTO DE LINGUAGEM
?
Os padrões de normalidade do desenvolvimento de linguagem, em
função da idade, são os seguintes:
IDADE
(meses) |
PRINCIPAIS
CARACTERÍSTICAS DO DESENVOLVIMENTO DE LINGUAGEM |
0
a 3 |
-
Vocalizações
( repetições de vogais e sons guturais) não
lingüísticas.Essas produções têm
pouca influência da lingua-mãe.
- Sorriso reflexo.
- Apresenta movimentos corporais bruscos ou acorda ao ouvir
estímulo sonoro.
- Aquieta-se com a voz da mãe.
- Procura fonte sonora com movimentos oculares. |
3
a 6 |
-
As
vocalizações começam a adquirir algumas
características de linguagem, ou seja, entonação,
ritmo e inicia-se a modulação de ressonância.
- A fase de lalação aparece por volta dos 3 a
4 meses e se distingue por sua fonação lúdica
. A criança sente prazer em balbuciar (brincar com os
órgãos fono-articulatórios).
- Pára de chorar ao ouvir música.
- Começa a voltar a cabeça em direção
a um som lateral e próximo. |
6
a 9 |
-
Pré-conversação.
A criança vocaliza principalmente durante os intervalos
em que é deixada livre pelo adulto, e também encurta
suas vocalizações para dar lugar as respostas
do adulto.
- Localiza diretamente a fonte sonora lateralmente e indiretamente
para baixo.
- Responde quando chamada.
- Repete sons para escutá-los. |
9
a 12 |
-
Localiza
diretamente a fonte sonora para baixo.
- Reage paralisando a atividade quando a mãe fala "não".
- Vocaliza na presença de música.
- Compreende algumas palavras familiares, por ex.: "mamãe,
"papai", "nenê".
- Compreende ordens simples, por ex.: "bate palmas"
e dar "tchau".
- Vocalizações mais precisas e melhor controladas
quanto a altura tonal e a intensidade. Agrupa sons e sílabas
repetidas `a vontade.
- Pede, recebe objetos e oferece-os de volta.
- Usa gestos indicativos.
- Surge a primeira palavra, muitas vezes não inteligível.
|
12
a 18 |
-
Surgem
as primeiras palavras funcionais que, em geral, se dá
um prolongamento semântico, por ex.: chama "cachorro"
a todos os animais.
- Crescimento quantitativo de compreensão e produção
de palavras.
- Localiza fonte sonora indiretamente para cima.
- Gosta de música.
- Compreende verbos que representam ações concretas
(dá, acabou, quer).
- Identifica objetos familiares através de nomeação.
- Identifica parte do corpo em si mesma.
- Utiliza-se de palavra-frase (usa uma palavra que corresponde
a um enunciado completo).
- Repete palavras familiares.
- Tenta contar. |
18
a 24 |
-
Surgimento
de frases de dois elementos.
- Localiza fonte sonora em todas as direções.
- Presta atenção e compreende estórias.
- Identifica parte do corpo no outro.
- Inicia o uso de frases simples.
- Usa gesto representante.
- Usa o próprio nome. |
2
a 3 anos |
-
Iniciam-se
seqüências de três elementos, por ex.: "nenê
come pão" (fala telegráfica.
- Aponta gravura de objeto familiar descrito por seu uso.
- Identifica objetos familiares pelo nome e uso.
- Aponta cores primárias quando nomeadas (vermelho, azul,
amarelo...)
- Compreende o "Onde ? " "Como ?"
- Pergunta o que?
- Nomeia ações representadas por figuras.
- Refere-se a si mesmo na 3ª pessoa.
- Combina objetos semelhantes.
- Constitui frase gramatical simples ( com verbos, preposições,
adjetivos e advérbio de lugar). |
Para a elaboração dessas etapas, consultamos autores como:
Chiari, B.M.; Aimard, P.; Casanova, J. P.; Ajuriaguerra. Achamos conveniente
encerrarmos por aqui a descrição das características
de linguagem, já que esse período é de grande importância
para observação dos pais.
A partir dos 3 anos aumenta extraordinariamente o número de vocábulos
da criança e espera-se que até os 5 anos ela tenha domínio
de todos os fonemas da língua.
Esperamos ter contribuído para alertar aos pais quanto a necessidade
de modelos lingüísticos adequados e para que procurem orientação
de um Médico ou Fonoaudiólogo quando surgirem dúvidas.
Em algumas cidades, como na cidade de Santos-SP, existem Fonoaudiólogas
lotadas na Secretaria Municipal de Saúde, que, gratuitamente,
avaliam as crianças, orientam os pais e quando necessário
encaminham-nas para sessões de fonoterapia conforme a faixa etária
e alteração apresentada.
Finalizamos com um relato de A . R. Luria (neuropsicologia):
"A palavra não somente designa objetos do mundo externo,
ações, traços e relações, mas também
analisa e generaliza estes objetos; a palavra é o instrumento
de análise da informação que o sujeito recebe do
mundo externo... se no início da vida da criança o significado
da palavra possui um caráter afetivo, ao finalizar a idade pré-escolar
e no começo da escolar, no significado da palavra já se
encerram impressões concretas sobre a experiência direta
real e prática; nas etapas posteriores começam a haver
por trás das palavras sistemas complexos de enlaces e relações
abstratas, e a palavra começa a introduzir o objeto em uma determinada
categoria de sistemas conceituais hierarquicamente organizados."
Tania A . Lopes Cardoso
Fonoaudióloga do Hospital e Maternidade Municipal Dr. Silvério
Fontes Santos - São Paulo
Artigo
Publicado em 13 de Outubro de 2003
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